Crueldade contra animais: um impacto inesperado da pandemia
Governo Federal quer abate geral nos abrigos públicos e abandono cresce
Cotidiano | Por Monica Pinto 06/05/2020 12h00 - Atualizado em 06/05/2020 12h25

Em meio à pandemia de covid-19 no Brasil, muita gente talvez não tenha acompanhado uma iniciativa do Governo Federal que pode condenar à morte animais silvestres e domésticos sob a guarda dos poderes públicos. Desde a semana passada, ativistas defensores da causa animal têm expressado pelas redes sociais sua revolta diante do pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) ao Supremo Tribunal Federal, para que mantenha os dispositivos da Lei de Crimes Ambientais que autorizam o sacrifício de animais silvestres ou domésticos apreendidos em situação de maus tratos. Era uma resposta à medida cautelar emitida pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, no dia 30 de março, que determinou a suspensão de todas as decisões administrativas ou judiciais baseadas nesses dispositivos, alegando haver sobre eles uma “interpretação irregular”.

Como resultado, a queda de braço entre a AGU e o ministro do STF vem ganhando repercussão nas redes sociais, embalada sobretudo pelas diversas ONGs dedicadas à causa da proteção aos animais e seu amplo universo de ativistas. O impasse chegou ao cenário político, na medida em que a petição para liberar o sacrifício das vítimas de maus-tratos foi assinada pelo então advogado-geral da União, André Mendonça, logo após alçado ao cargo de ministro da Justiça, sucedendo Sérgio Moro, que acabara de se demitir.

A apresentação de um abaixo-assinado que rapidamente passou a circular pela internet começa questionando: “Como é que pode se dizer ser ‘terrivelmente evangélico’ um ministro da Justiça que quando era Advogado Geral da União pede que sejam mortos todos os animais que sofreram maus tratos e que foram apreendidos?”. O texto coloca também: “mais grave é um representante do estado mandar matar cachorros, gatos, galos, animais silvestres que já sofreram tanto e ainda ser ‘promovido’ a ministro da Justiça. Onde vai parar a ‘humanidade’? Ainda bem que dessa vez Gilmar Mendes interviu positivamente”.

Em síntese, a argumentação do abaixo-assinado é que punidos devem ser os criminosos – no caso, os autores dos maus-tratos -, não as vítimas. A mesma lógica ampara os entendimentos de duas ativistas da causa animal em Sergipe, ouvidas por F5News. “A petição do então presidente da AGU e atual ministro Andre Mendonça é absurda, pois condena à morte animais vítimas de crimes”, disse ao portal Nazaré Moraes, presidente da ONG sergipana Elan - Educação e Legislação Animal.

Layse Santiago, coordenadora da ONG sergipana Anjos, usa o mesmo adjetivo para classificar a proposta: absurda. “Nós, ativistas que lidamos diariamente com situações lastimáveis de animais abandonados, doentes e que sofreram maus tratos, mesmo sem nenhuma ajuda vinda do poder público, agora temos que lutar contra o próprio poder para salvar esses animais que têm total condição de sair daquela situação, para a reabilitação e possível adoção”, afirmou ao F5News. Lembrando as muitas vidas salvas nesse caminho, ela defende não haver motivos para o sacrifício. “Não podemos ficar inertes a isso, vamos nos mobilizar ao máximo para barrar”, completou, se referindo à votação do STF – ainda não agendada – sobre a continuidade da vigência da proibição do abate dos animais apreendidos.

Ignorância leva ao abandono

Ainda que não haja um levantamento oficial quanto ao número de cães e gatos abandonados em Sergipe, desde o início da pandemia, a percepção das ativistas ouvidas por F5News é que se trata de um movimento crescente. Nazaré Moraes atribui o quadro à ignorância sobre os riscos dessa convivência para os humanos. “Graças a essa petição da AGU, que dá margem ao errôneo entendimento que os animais domésticos transmitem Covid-19. Só há possibilidade de transmissão se houver possibilidade do animal contrair, e ninguém transmite a doença sem estar doente”, afirmou. 

De fato, são raríssimas as ocorrências confirmadas de animais domésticos infectados pelo novo coronavírus e se verificou que foram contagiados pelos donos – não o contrário.  Mesmo assim, a petição da AGU lança mão desse argumento, ao defender o abate como “medida necessária para o controle e erradicação de doenças transmissíveis e parasitárias, impedindo a sua difusão” e, mais adiante, afirmando que “a recente pandemia relacionada ao Covid19, consoante cediço, tem origem em animais contaminados”. Em meio à desinformação geral, circulou a hipótese de que a transmissão da doença na China teria começado por intermédio de morcegos. Ao que tudo indica, a AGU não se ocupou em conferir. Essa teoria é exposta como fake news pelo próprio Ministério da Saúde: “de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), não existe nenhuma comprovação científica de que o coronavírus (COVID-19) veio dos animais. As investigações sobre as formas de transmissão ainda estão em andamento (...)”, diz a pasta.

A ativista Layse Santiago corrobora que o abandono de animais domésticos aumentou. “Não posso afirmar em números, mas pela experiência e recebimento de pedidos de ajuda, sei que os casos praticamente triplicaram”, disse. “É triste porque não temos como acolher todos os animais. As ONGs e protetores independentes, além de superlotados, estão abarrotados em dívidas, mas tentamos dar o nosso melhor, enquanto a Prefeitura e o Estado estão de olhos fechados para a situação”, completa. Ela faz um apelo à população sergipana, para que acolha um animal de rua e, se não puder ficar com ele, que o encaminhe à doação. “As instituições, com o aumento de casos [de abandono], estão sofrendo seu pior momento”, relata.

A ativista Nazaré Moraes vê na adoção de pets um gesto não só ético, mas também capaz de impulsionar a economia. Ela lembra que o animal em abandono está desprovido de alimentação suficiente ou adequada, de banho e de vacinas – portanto suscetível a doenças que, levando-o à morte, podem chegar aos humanos por vetores como moscas, mosquitos e formigas. “Invertendo esse quadro, resgatados, alimentados, banhados, tratados, castrados, microchipados e encaminhados à adoção responsável, quem adota os transforma em consumidores, geradores de impostos, renda e empregos - do que tanto a economia precisa, principalmente nesse momento”, diz ela. “Quem adota compra pratos alimentadores, bebedouros, rações, xampus, vacinas, medicamentos e serviços”, exemplifica, ao defender o estímulo à adoção inclusive como um processo potencialmente angariador de votos em tempo de eleição - “isso é uma política pública simpática e necessária, por ser de prevenção em saúde humana e muito bem vinda em todos os aspectos”.

 

 

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