Especialista explica o papel do Compliance em tempos de covid-19
Sistema garante integridade, transparência e conformidade legal às instituições Cotidiano | Por Will Rodriguez 24/06/2020 16h35A pandemia do coronavírus pegou de surpresa empresas privadas e organizações públicas, levando a sociedade a um estágio de emergência cujos impactos ainda não podem ser mensurados com segurança. Legislações foram flexibilizadas, prazos foram revistos e até as relações contratuais passaram por adequações.
Nesse contexto, os departamentos de compliance ganham papel preponderante na gestão de crises. Para entender como esse tipo de programa atua, F5 News entrevistou o advogado José Benito Soares, especialista em direito público, que explica como o conjunto de normas corporativas vai além da prevenção de atos ilícitos.Que tipo de suporte os programas de Compliance podem oferecer neste momento de ajustes decorrentes da pandemia?
O Sistema de Gestão de Compliance, através dos seus pilares de integridade, gestão de riscos e controles internos, tem um papel fundamental para análise de políticas internas, adequando-as para as atuais circunstâncias, com atualização dos riscos mapeados e das respectivas medidas de controle e contingência. No setor público, por exemplo, as razões excepcionais para contratação por emergência permitem licitações simplificadas, com o fim de agilizar os processos de aquisição de bens e serviços essenciais para a contenção da pandemia. Contudo, pode haver um aumento substancial das chances de direcionamento do certame e de superfaturamento de insumos. Assim, para evitar problemas futuros para os gestores, a supervisão constante, com controle estrito em todo o processo, deve estar aliada à rastreabilidade de todas as etapas, com uma trilha documental consistente, e transparência da tomada de decisões.
Seja no setor público, seja no setor privado, existe a necessidade de verificação e reforço dos mecanismos de controles internos, certificando-se de que o due diligence de terceiros, canais de denúncias, além das atividades de controle, seguem ocorrendo de forma eficaz e eficiente, mesmo em detrimento das circunstâncias oriundas da pandemia.
Nesse momento, a atuação dos instrumentos de Compliance permite, por exemplo: a) garantir a adesão e o cumprimento de leis e dos novos regramentos que estão surgindo, diariamente, por conta da pandemia; b) desenvolver e fomentar princípios éticos e normas de conduta para diminuir a transmissão, preservando a vida das pessoas; c) implementar normas e regulamentos de conduta com o objetivo de reduzir os índices de contaminação e prejuízos corporativos; d) criar sistemas de informação, evitando-se a disseminação das fake news, principalmente em decorrência do período eleitoral que se aproxima; e) desenvolver planos de contingência e um articulado gerenciamento de crise; f) monitorar e eliminar conflitos de interesses; g) realizar avaliações de risco contínuas, periódicas e sistêmicas; h) desenvolver treinamentos constantes com todos os envolvidos; i) aumentar o relacionamento com os órgãos fiscalizadores, auditores internos e externos.
O Compliance serve apenas para prevenção de atos ilícitos de corrupção?
Não. Esse é apenas um dos aspectos positivos. Muitos associam o Compliance à Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/13). Vai muito além. Os Sistemas de Gestão de Compliance auxiliam as organizações (públicas ou privadas) na identificação de suas obrigações, e respectivos riscos ao não cumprimento destas, nas dimensões aplicáveis do negócio (contratual, fiscal, tributário, etc.), criando um modelo de integridade, transparência e conformidade legal, objetivando evitar conflitos de interesses e responsabilizações cíveis e administrativas, além da penal. Controles internos efetivos permitem proporcionar maior segurança operacional, que resultam em benefícios para a reputação da organização. É um meio de alcançar os objetivos desejados, de forma mais segura, com o menor custo possível.
Nesse período de adequação da atividade empresarial, quais aspectos devem ser observados por exemplo em relação à legislação trabalhista para evitar demandas judiciais futuras?
As novas regras trabalhistas são temporárias e válidas somente até 31/12/2020, com fundamento no Decreto Legislativo nº 6/2020, que reconheceu o estado de calamidade pública. Por isso, é fundamental que as empresas estabeleçam medidas de controle para adequação às novas regras, evitando problemas futuros, especialmente no que toca às demandas judiciais futuras. Isto é, as empresas precisam criar procedimentos internos para garantir a conformidade legal.
Sabemos a grande dificuldade que muitos empregadores estão enfrentando, todavia, atos preventivos evitam, sem dúvida, problemas futuros. Segurança com menor custo.
No que toca ao controle de jornada do pessoal administrativo, por exemplo, cujas atividades laborais, em boa parte, passaram a ser realizadas no âmbito dos domicílios destes (home office), para evitar futuras demandas judiciais, pleiteando o pagamento de horas extras, orientamos aos nossos clientes que, uma vez realizada a alteração do regime presencial, imprescindível a celebração de aditivo ao contrato de trabalho.
O exemplo acima demonstra a importância da revisão das listas de verificação do controle interno da empresa. Deve ser criada, caso não exista, uma política interna, com efetiva divulgação, esclarecendo as novas regras a serem seguidas pelos colaboradores.
Como estabelecer meios eficazes de contingência para eventuais ações em desacordo com às normas públicas na gestão de crises?
O comprometimento da Alta Administração é de extrema importância para a solução dos problemas internos. O momento exige, ainda mais, atenção dos administradores.
O Compliance tem especial importância nesse momento. A atual conjuntura aponta a necessidade de mapeamento dos novos riscos, e revisão, ou implementação, de controles internos, garantindo a conformidade legal dos processos. A elaboração do plano de contingência é um instrumento bastante eficaz, pois leva em consideração a natureza dos riscos, a probabilidade de ocorrência, e seus impactos no negócio, minimizando os prejuízos e consequências negativas.
Para que o plano de contingência seja eficaz é necessário: a) identificar as necessidades e possíveis problemas; b) avaliar o impacto dos riscos em uma ótica de curto, médio e longo prazos; c) definir as prioridades para que todos visualizem quais atividades necessitam de mais cuidado e responsabilidade dentro da empresa; d) planejar as estratégias de contingência e controle; e) escrever o guia do plano de contingência; f) testar o plano de contingência, realizando simulações de situações de crise que podem ser desenvolvidas para este fim; g) revisar o plano de contingência com frequência.
Com o distanciamento social e a adoção do home office, de que maneira manter treinamentos eficientes e estabelecer o acompanhamento adequado das equipes para evitar o descumprimento das políticas já adotadas pela empresa - especialmente na relação com clientes/contratantes?
Como dito, é extremamente importante uma política interna efetiva, com ampla divulgação, esclarecendo as novas regras – decorrentes da pandemia - a serem seguidas por todos os colaboradores. As equipes da empresa precisam ter conhecimento da política institucional. Regras internas bem definidas permitem maior controle dos atos dos colaboradores.
Não podemos dizer que a pandemia trouxe apenas aspectos negativos. Existem pontos positivos. Como exemplo, o uso da tecnologia de forma mais efetiva vem facilitando o contato entre os envolvidos, evitando que a atividade fique paralisada. As Plataformas Digitais são, sem dúvida, um importante instrumento nesse momento. É um legado que ficará.
As Plataformas Digitais podem auxiliar a empresa, por exemplo, na adoção de controles de aprovação de pagamentos, ou controles de contratação com terceiros, os quais são facilmente rastreáveis e auditáveis. Além disso, podem ser utilizadas, também, para realização de treinamentos de colaboradores e terceiros e na avaliação de desempenho.
Para isso, contudo, importante a participação da Alta Administração na comunicação das regras da organização, demonstrando como a instituição está lidando com a situação que ora se apresenta. Transmitir aos colaboradores, e terceiros interessados, quais medidas estão sendo tomadas dentro da organização, através de redes sociais, sítio de internet, é uma ferramenta imprescindível. Aqui a transparência é a chave.
Para as empresas que só agora sentiram a necessidade de um programa de Compliance, qual o primeiro passo?
O primeiro passo deve ser a contratação de um profissional capacitado. Alguns entendem, erroneamente, que um programa de Compliance se resume aos manuais internos. Mais importante que os manuais é o planejamento, com capacitação no dia a dia, por exemplo. Não há eficiência sem a capacitação dos colaboradores. Com o auxílio de um profissional capacitado, é possível realizar o diagnóstico a fim de identificar o nível de maturidade em Compliance da organização. O diagnóstico deve ser elaborado a partir de respostas a questionários, realização de entrevistas individuais, análises de documentos, verificação do nível de atendimento das normas. A partir disso é possível definir o planejamento para a implementação dos pilares de um Sistema de Gestão de Compliance.





