Farsa: Homem é suspeito de usar criança para praticar golpe em Sergipe
Investigação mostra que ele atua há cerca de 10 anos e já passou por nove estados
Cotidiano | Por Aline Aragão 24/11/2020 17h56

A Polícia Civil de Sergipe instaurou inquérito para apurar a suspeita de golpe praticado por Odival Barbosa da Silva. Segundo a polícia, o homem estaria realizando campanhas para arrecadar dinheiro e já passou por pelo menos oito estados no Norte e Nordeste do país. Ele se apresenta com um menino, que diz ser seu filho, e pede ajuda para realizar o tratamento contra o câncer em São Paulo. A suspeita é de que a história contada pelo homem seja falsa.

Segundo reportagem exibida pela TV Atalaia, Odival tem realizado campanhas desde 2010, quando a criança teria dois anos de idade e passou pelos estados do Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, até chegar a Sergipe, com o suposto filho Breno, na última quinta-feira (19). Em Aracaju, eles estiveram em alguns veículos de comunicação para divulgar a história, e em uma associação que ajuda pessoas com câncer no estado.

No relato apresentado por Odival, a mãe da criança teria sido diagnosticada com câncer durante a gravidez, e o menino quando tinha dois anos. Desde então, ele supostamente luta para conseguir tratamento para o filho. A criança já teria passado por quatro procedimentos cirúrgicos, entre eles um transplante de rim, sendo o irmão mais velho o doador. Ele conta também que a mãe de Breno morreu há cerca de quatro anos.

Em Aracaju, Odival disse que era de Canindé de São Francisco, no Sertão de Sergipe, e que precisava arrecadar R$ 20 mil para completar os custos da cirurgia corretiva na coluna do menino, o que permitiria que Breno voltasse a andar. Segundo Odival, a cirurgia estava marcada para o próximo sábado (28), no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. O valor real do procedimento seria de R$ 60 mil, mas ele disse ter conseguido um desconto no hospital, por intermédio de um suposto empresário que o ajuda e que não teve o nome revelado. 

F5 News entrou em contato com o Hospital Albert Einstein, onde o menino faria os procedimentos cirúrgicos, e a assessoria de imprensa da casa informou que não existe cirurgia marcada e nem registros de Breno e do pai na unidade.

Nesta terça-feira (24), F5 News teve a informação de que Odival e o filho sairam de Aracaju na sexta-feira (20) com destino a Maceió (AL), onde mais uma vez ele contou a triste história que vem se demonstrando uma farsa criada por ele.

Atuação

O modus operandi de Odival é sempre o mesmo: ele chega em uma cidade, dizendo ser do interior do estado; compra um chip de telefone pré-pago e vai às redações dos veículos de comunicação para divulgar a história e ter credibilidade. O relato é quase sempre o mesmo, fica na cidade de dois a três dias e depois desaparece. 

Com uma rápida busca na internet é possível encontrar o rastro deixado por Odival. Chama atenção o fato do suspeito não se preocupar em divulgar nome, CPF e dados bancários, em uma era tão digital, onde tudo fica registrado. Por onde ele passou foram publicadas matérias e a maioria está na internet, muitas com datas próximas, confirmando a prática criminosa.

O primeiro registro que encontramos é de novembro de 2010, na época Odival estava em Teresina (PI), dizia ser eletricista e morar em Altos (PI), pedia ajuda para comprar fraldas e um leite especial para o filho. Na mesma data procurou outro veículo de comunicação também em Teresina, mas disse que era de Manaus.

Um ano depois, Odival contava a mesma história em Fortaleza (CE).

Em julho de 2012 Odival retorna para Teresina, e procura outro veículo de comunicação, conta a história, com pequenas mudanças, diz que morava em Presidente Dutra e tinha mudado para a capital, devido o tratamento da esposa e do filho.

Quatro anos depois, em agosto de 2016, Odival está em Belém (PA), aparece usando um cartaz, como o que usa hoje. É a primeira vez que cita o transplante de rim, que seria realizado em São Paulo, diz também diz que precisa voltar para Fortaleza, onde o menino seria acompanhado por uma equipe do hospital Albert Sabin. 

O maior número de registros encontrados é de novembro de 2019 pra cá. Em 7 de novembro de 2019, Odival e os dois filhos estiveram na redação do jornal Tribuna do Norte em Natal, no Rio Grande do Norte. A reportagem diz que o menino ia fazer uma cirurgia para retirada de um tumor na perna e um transplante de rim, o irmão mais velho seria o doador. O transplante estaria marcado para o dia 14 de novembro - ou seja, dias depois -  e precisava de R$ 10 mil para completar o valor dos custos por sessenta dias em São Paulo.

Dois meses depois, em 14 de janeiro deste ano, o Jornal Diário de Pernambuco narra a história de pai e filho, mas aqui o enredo está um pouco diferente. A vaquinha para arrecadar R$ 10 mil seria para a realização de uma cirurgia na perna e outra na coluna, para que o menino voltasse a andar. O procedimento estaria marcado para o dia 24 de janeiro - de novo, poucos dias após a campanha fraudulenta ser iniciada. No dia seguinte o jornal publicou outra matéria dizendo que o pai já tinha arrecadado metade do valor. Na mesma época, pai e filho estiveram na Folha de Pernambuco, onde disseram ser de Araripina e que depois da cirurgia o menino faria um tratamento de reabilitação de um ano na AACD em Recife.

Em 27 de julho deste ano, pai e filho participaram ao vivo do programa O Povo na TV, da TV Tambaú, em João Pessoa na Paraíba. diziam ser de Cajazeiras, no interior do estado. A história se repetia. Odival pedia R$ 10 mil para custear a viagem para São Paulo, onde o menino faria o transplante de rim e a cirurgia na perna, o transplante estaria marcado para o dia 5 de agosto.

Um dia depois, em 28 de julho, Odival voltou a entrar em contato com a Tribuna do Norte, precisava de ajuda para retornar de São Paulo para Natal com o filho Breno, o mais velho, Bruno que foi doador, já estava em Natal. No mesmo dia, o jornal publicou outra matéria com um vídeo de Odival agradecendo por já ter conseguido arrecadar o valor que precisava para retornar à capital potiguar.

O que torna a suspeita de fraude ainda mais evidente são as distorções nos relatos que ele apresentou em cada um desses lugares, como ocorre, de forma mais clara, nos registros da Paraíba e Rio Grande do Norte. 

Nossa reportagem apurou também que as contas informadas para as doações são de agências bancárias em São Luís, no Maranhão, onde a mulher que ele diz ser sua irmã, e titular de uma das contas, possui um pequeno comércio.

Em Aracaju, uma associação recebeu Odival e o filho e cedeu o espaço para entrevistas, mas informou não ter relação com os dois. A instituição chegou a doar R$ 1 mil, e depois da suspeita prestou um boletim de ocorrências na Delegacia de Defraudações, que está investigando o caso.

F5 News procurou as duas casas de apoio que são referência na assistência a crianças e adolescentes com câncer em Sergipe, o Grupo de Apoio a Crianças com Câncer (Gacc) e a Associação dos Voluntários a Serviço da Oncologia em Sergipe (Avosos), ambas disseram não ter registro da criança.

O supervisor do Gacc, Fred Gomes, faz um alerta sobre as campanhas de ajuda que surgem principalmente mas redes sociais, e diz que em Sergipe as casas de apoio prestam total assistências a crianças e adolescentes, fornecendo medicamentos, exames, consultas médicas, pagamento de cirurgias, cestas básica, material higiêne e limpeza, etc,. 

"É preciso ficarmos alertas sobre essas campanhas que envolvem crianças e adolescentes, hoje nos temos instituições que realizam trabalhos relevantes em nosso estado, e bancam todo tratamento da criança ou do adolescente com câncer. Se receber uma mensagem com pedido de ajuda, fique atento, procure primeiro saber a veracidade do caso, se de fato a criança ou adolescente tem câncer. Confirmando, oriente a família a procurar uma casa de apoio", explica Fred Gomes.

Ele diz ainda que a maioria das crianças e adolescentes em Sergipe com câncer faz tratamento no Hospital de Urgências de Sergipe (Huse) e quando diagnosticado, o serviço social do hospital encaminha aquele paciente a uma das instituições que fazem trabalho junto às famílias.

Envolvimento com crimes
F5 News apurou que Odival Barbosa foi preso em julho de  2015  em São Luís, no Maranhão, por suspeita de tráfico de drogas. Na ocasião ele estava dirigindo um carro com placa de Recife (PE), o veículo tinha sido roubado em Fortaleza (CE).

No depoimento, Odival negou o envolvimento com drogas e afirmou que o carro não era roubado. Que comprou-o em Fortaleza, mas como não pagou, o dono abriu ocorrência de roubo. Após verificação no sistema, a polícia identificou outra ocorrência por roubo  também na capital do Ceará.

Há suspeita de que Odival também seja investigado por outros crimes nos estados do Maranhão e no Piauí.

Edição de texto: Monica Pintosh
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