Direitos Humanos
Movimentos protestam contra mortes de pessoas negras em Aracaju
Segundo Atlas da Violência, Sergipe é o estado brasileiro onde mais se mata jovens negros
Cotidiano | Por Saullo Hipolito* 17/04/2019 11h50 - Atualizado em 17/04/2019 19h11

"Vidas Negras importam" - Essa frase é o símbolo para diversos movimentos sociais negros que clamam por uma vida digna, com direitos, oportunidades e, acima de tudo, sem medo. Na manhã desta quarta-feira (17), o Instituto Braço e o Coletivo Afro Power realizaram um protesto em frente à Secretaria da Segurança Pública (SSP) de Sergipe para dar maior visibilidade a essa luta e mostrar indignação pela morte do designer Clautenis Santos, durante uma abordagem da Polícia Civil, na zona norte de Aracaju.

De acordo com o Atlas da Violência 2018, Sergipe se tornou o estado onde mais se mata jovens negros no Brasil. Em dados organizados pela parceria entre o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o menor estado do país registra 79 mortes por 100 mil habitantes, seguido por Rio Grande do Norte (70,5). Os números apontam que as maiores vítimas continuam sendo homens.

Para a representante do Coletivo Afro Power, Rayanne Madeiro, o dado é relevante e preocupante. "Estamos nos reunindo desde o início do ano, porque Sergipe entrou para o ranking dos estados que mais matam jovens negros e estamos sempre repudiando isso. Para além do trabalho de base, a gente vem para a rua hoje repudiar esse fato", afirmou.

De acordo com Carlos Trindade, representante do Instituto Braços, o ato expressa solidariedade entre pessoas negras. "Não adianta a gente pensar que casos como esse que atingiu o Clautenis, ou o músico morto no Rio de Janeiro com 80 tiros, não acontecem conosco. Não vamos aceitar que o Estado assuma o papel genocída em relação à população negra", disse.

Mesmo garantindo apuração isenta da morte do designer aos familiares da vítima, a Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP) ainda não deu um parecer, o inquérito corre sob sigilo policial. Procurada pela equipe de reportagem do F5 News, nesta manhã para se posicionar sobre o protesto, a pasta não se manifestou até a publicação da matéria.

A família do jovem pediu justiça. Em entrevista à TV Atalaia, na quinta-feira (11), a mãe da vítima, Ana Santos, questionou as circunstâncias da morte do filho e pede esclarecimentos à polícia. "Hoje eu choro como muitas mães estão chorando pela falta dos seus filhos, pela violência, pelas drogas que tantas mães estão perdendo seus filhos. E eu perdi o meu filho tão inocentemente", disse ela.

Segundo a mãe, Clautenis não tinha qualquer envolvimento em crimes e nunca andou em "maus caminhos". "Meu filho era católico, maravilhoso, uma benção de Deus, não só ele, como os outros. Eu fui, graças a Deus, privilegiada", afirmou Ana, que tem outros dois filhos.

Precisamos falar mais

De fato, fica evidente, após o protesto, que falar sobre o assunto ainda é um tabu, mas debater o tema em áreas específicas da sociedade ajuda no emponderamento de muitas pessoas, principalmente dos jovens.

"O Coletivo Afro Power é um coletivo de emponderamento negro jovem, que está atuando na periferia para levar informações aos jovens e, principalmente, falar sobre o racismo. Estamos unidos para afirmar que vidas negras importam, o coletivo está no trabalho de base, para chegar a esses locais, conversar com a juventude, pedir mais segurança e se resguardar em algumas situações", afirmou Rayanne.

A luta apresenta pontos principais de uma democracia que se deve passar para a sociedade brasileira. "A população negra, após a experiência da escravidão, por sorte do Brasil, sempre quis oportunidade e não vingança, então temos hoje 100 milhões de pessoas que só querem uma oportunidade de criar seus filhos, de existir, de trabalhar, comer, levar uma vida como qualquer outro, mas está a cada dia mais difícil, e essa postura do Estado brasileiro tem que ser resolvida", afirmou Carlos Trindade.

O repúdio à morte de mais um jovem negro no Brasil se reflete nas diversas camadas sociais do Brasil, avalia o representante do Instituto Braços. "Vivemos numa democracia e isso tem que ser valorizado, não podemos abrir mão dos príncipios constitucionais. Conforme a constituição todos são iguais perante a lei, isso deve ser respeitado perante a vida. Vidas negras importam", concluiu.

Morte na bala

De acordo com o estudo, além da cor da pele, outro fator que contribui para que uma pessoa seja assassinada no país é a idade. "A vitimização por homicídio de jovens (entre 15 e 29 anos) no país é fenômeno denunciado ao longo das últimas décadas, mas que permanece sem a devida resposta em termos de políticas públicas que efetivamente venham a enfrentar o problema", diz o estudo.

No país, 33.590 jovens foram assassinados em 2016, sendo 94,6% do sexo masculino. Esse número representa um aumento de 7,4% em relação ao ano anterior. O dado é péssimo especialmente porque em 2015 houve uma pequena redução ante 2014, de -3,6%.

Afastados

Os três agentes envolvidos na operação que vitimou o designer de interiores Clautenis José dos Santos, de 37 anos, morto após uma abordagem policial em um veículo de aplicativo, continuam afastados das atividades até a conclusão das investigações.

* Estagiário sob supervisão da jornalista Fernanda Araujo.

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