Pandemia apaga, por ora, o brilho das quadrilhas juninas em Sergipe
Quadrilheiros relatam momentos difíceis vivenciados este ano no estado
Cotidiano | Por Saullo Hipolito 24/06/2020 11h10

Era para ser um período festivo, com muitos abraços nos encontros, coreografias que marcam as competições, sorrisos em meio aos contatos de olhares, vibrações ao final das apresentações, sem falar no arrasta-pé característico da época junina. Mas em 2020 muita coisa mudou, os ensaios e competições de quadrilhas juninas precisaram ser cancelados por conta das aglomerações que promovem,  facilitando a disseminação  do novo coronavirus. Com isso, muitos quadrilheiros que se preparam desde o ano passado sentiram um impacto, não só emocional, pela frustração, mas também de ordem financeira.

Como costumam dizer, ‘cada dia é uma luta diferente’ para os quadrilheiros e apaixonados pelo forró característico da época. A mais recente em Sergipe é a proibição de fogueiras e fogos de artifício, que podem causar  problemas respiratórios  em decorrência da fumaça que geram e assim arriscar que mais pessoas sejam encaminhadas a hospitais, alguns já sobrecarregados ou à beira disso. 

Será um ciclo junino digamos que mais consciente, tudo para combater a pandemia da Covid-19, mas com a certeza de que lágrimas já estão escorrendo da alma de cada pessoa envolvida com esse período. Já é certo, não haverá o brilho das quadrilhas, o som das zabumbas, os vozeirões dos cantores, nem a decoração com bandeiras coloridas que anuncia a chegada de São João, comemorada nesta quarta-feira (24), já que as atividades festivas foram suspensas em todo Sergipe.

Segundo a Associação das Quadrilhas Juninas de Sergipe, as competições no estado têm início em meados do mês de junho, mas não acontecerão neste ano e os mais de 40 grupos ficarão órfãos dessa tradição do ciclo junino - e com despesas. “O mês de junho seria repleto de folias, alegria e danças, desde o dia 13 deste mês, mas com a pandemia tudo ficou comprometido e todos os envolvidos ficam tristes com essa questão. As quadrilhas costumam ensaiar a partir de novembro e já estavam com uma organização para os eventos. Todas apontam à associação prejuízos por terem contratado pessoas para os eventos, sejam costureiras, grupos musicais, ou ainda pessoal de apoio. O que tem confortado são as lives produzidas pelos grupos pé-de-serra que compõem os grupos juninos”, afirmou Sara Lessa, representante da entidade.

Sempre entre as favoritas em qualquer competição de que participe, a quadrilha  Unidos em Asa Branca, que tem sede no bairro Leite Neto, é a atual campeã estadual e estava com os trabalhos bem adiantados quando houve a determinação de suspensão das atividades. O grupo, elogiado por onde passa, tem vários destaques que formam o conjunto campeão, mas nesta reportagem F5 News se debruça em parte da história do dançarino Walter Aurélio. Há cinco anos dentro da quadrilha, o jovem já conquistou dezenas de títulos, sendo o Zabumba de Ouro 2017 e 2018 e o Levanta Poeira 2019 - que retornava naquele ano. São as principais categorias, por conta de seu alcance regional, pois a quadrilha campeã representava Sergipe no concurso do Nordeste, todas as competições promovidas pelo Grupo Globo. 

“O tema já estava definido e totalmente desenvolvido. Apenas a diretoria e o grupo de trabalho tinha conhecimento do tema, seria apresentado aos componentes o tema, o mapa da quadrilha (colocação de cada componente) e o piloto (traje modelo do primeiro casal) na semana que coincidiu com o início do isolamento. Esse ano estávamos bem adiantados, coreografias todas prontas, restando apenas partes chaves como entrada, casamento, saída , alguns momentos de efeito para abrilhantar ainda mais o nosso espetáculo. As coreografias e evoluções já estavam todas criadas, estávamos bem adiantados e confiantes”, diz Walter.

Outra integrante de quadrilha junina que comenta o cenário deste ano vem da Balança Mas Não Cai, da cidade de Itabaiana.É um grupo com passagens de avós, pais, irmãos e filhas, como é o caso da marcadora Elivânia Vieira, que viu toda uma linhagem passar pela quadrilha junina e agora tenta atrair outros familiares. Há 26 anos ela é a pessoa que dita o ritmo e organiza as apresentações. Por sinal, ela é a primeira e única marcadora mulher do estado e, aos 46 anos, tornou-se referência para muitas gerações de meninas. Elivânia ressalta que a pandemia atrapalhou todos os preparativos para o ano.

“Estava tudo pronto, só aguardando a finalização para a compra de tecidos no armarinho, sapatos, arranjos, chapéus e confeccionar o trajes. As coreografias estavam lindas para a gente entrar no arraial e encantar a multidão. Durante os 38 anos que a quadrilha tem, nunca ficamos sem dançar, esse momento é o ano mais difícil, achamos que toda a turbulência iria passar, e o grupo só caiu em si quando quando foi anunciado o cancelamento dos festejos, ali foi uma morte para a gente”, afirmou a marcadora.

Para Elivânia, o anúncio foi desesperador. Tudo estava pronto, mas sem festa, nada mais fazia sentido. Com o passar do tempo, eles começaram a refletir sobre o momento atual. “No ano passado fizemos uma reflexão: ‘qual seria o futuro das quadrilhas juninas?’, em outro trecho falávamos que era incerto e misterioso, dizendo que a gente não sabia o dia de amanhã, parecia premonição. Fizemos esses questionamentos, trabalhando o tempo como tema, hoje fico emocionada ao ver esses vídeos",diz a marcadora.

"Já chegou junho e a gente continua em casa, é tristeza, fiquei com princípio de depressão, mas eu me refiz e comecei a participar de lives e entrevistas, para mostrar que daremos a volta por cima disso tudo. O que eu quero para 2021 é voltar com a minha quadrilha e voltar melhor, essa pausa foi um momento de reflexão”, completa Elivânia.

Com lágrimas nos olhos, o quadrilheiro Walter Aurélio faz coro a Elivânia e salientou o quão difícil é esse momento, mas mostrou esperança. “É doloroso chegar nesse período e não poder sentir aquele frio na barriga de cada entrada no arraial, a emoção em ver o público te admirar, os seus amigos te prestigiarem, o calor de cada abraço e oração antes de pisar no tablado, é como se nossa estrela estivesse adormecida. A cada live junina, a cada vídeo assistido, é impossível segurar as lágrimas, só pedimos a Deus pra que tudo isso passe logo e e nossa estrela possa brilhar novamente no São João de 2021”.

Segundo a associação, se a curva for achatada até o mês de novembro, uma festa em comemoração será realizada com todas as Quadrilhas Juninas do estado. Procurado, o Governo de Sergipe disse não haver propostas e conversas sobre um possível futuro São João. A Prefeitura de Aracaju também disse que não há previsão sobre a realização de algum festejo no estilo junino - ainda que daqui a meses. “Não há discussões sobre as quadrilhas juninas devido às aglomerações, no momento em que infringe o isolamento; a discussão prossegue e talvez encontremos uma alternativa para que o ano de 2020 não fique sem o registro”, afirmou o presidente da Funcaju, Luciano Correia.
 

Edição de texto: Monica Pintosh
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