MPF quer barrar obra nas Mangueiras por falta de licenciamento
PMA diz que empreendimento não está em implantação e que aguarda as licenças Cotidiano | Por F5 News* 14/08/2020 16h30 - Atualizado em 14/08/2020 23h53A área de 236.218,96 metros quadrados foi doada ao Município pela União e detém a última reserva extensa de mangabeiras da cidade. Estima-se que existam quase 5 mil árvores de vegetação nativa, além de nascentes e lagoas, e é meio de sobrevivência de um grupo de famílias que realiza a atividade extrativista desde os anos 60, correspondendo a pelo menos 60% da sua renda. Atualmente, as famílias não moram no local mas, segundo o MPF, há pelo menos cinco décadas elas cuidam dos terrenos e do manejo das mangabeiras nativas.
No entanto, foi dado início ao Projeto Habitacional Irmã Dulce dos Pobres, que pretende a construção de 1.102 unidades, segundo o MPF, mesmo depois da decisão judicial que determinou a paralisação da obra no início deste mês, pela Justiça Federal, e autorizou a comunidade a continuar exercendo a catação. Na decisão, a PMA deveria garantir a conclusão da micro e macro drenagem e sistema de esgotamento para seguir com o projeto. No ano passado, o MPF recomendou à Superintendência do Patrimônio da União (SPU) que não efetivasse a cessão da área, até que fossem garantidos os direitos da comunidade tradicional. O MPF afirma que a SPU declarou não ter interesse em realizar qualquer cessão. No entanto, com as notícias do avanço do projeto, foi emitida nova recomendação, porém neste ano a área foi doada ao Município.
Em visita ao local no último dia 11, a procuradora da República Lívia Tinôco "constatou a derrubada indiscriminada de dezenas de árvores, sobretudo de mangabeiras, que são declaradas como árvore símbolo do Estado de Sergipe" - diz o MPF. Através de tratores a serviço do Município, barracões utilizados pela comunidade para guardar ferramentas e estocar frutas foram derrubados e dezenas de pés de mangaba arrancados. No documento, o MPF enumera irregularidades do processo de doação do terreno e do início da construção do empreendimento.
O MPF argumenta que a implantação do Projeto Habitacional no bairro Santa Maria, da forma como está sendo feita, é um risco para a comunidade e para o meio ambiente e destaca que todas as novas construções da região dependem de autorização judicial da 1ª Vara Federal, onde o processo tramita, além disso é direito da população catadora de mangaba a moradia digna. Também é questionada a realização de uma consulta pública virtual pelo Município para criação de uma unidade de conservação na área; para o MPF, a consulta está sendo realizada para limitar o tamanho da reserva, sem haver antes estudos ambientais ou a obrigatória consulta prévia da comunidade tradicional extrativista, o que é determinado pela legislação nacional.
"A intervenção no local se deu, portanto, de forma autoritária, desrespeitosa e truculenta, sem que se instaurasse processo dialógico com os integrantes e as lideranças da comunidade, que sempre se dispuseram a dialogar e encontrar um ponto em comum que viabilizasse os interesses de moradia dos ocupantes da invasão e o necessário equilíbrio ambiental”, diz o MPF. Ainda segundo o Ministério Público, há áreas e projetos alternativos para a instalação do conjunto habitacional, viáveis e vantajosos para a comunidade dos bairros e de forma menos danosa para o meio ambiente.
A procuradora da república Lívia Tinôco, que assina a ação, afirma na peça judicial que “mostra-se flagrante a tentativa da SPU, em conjunto com o Município de Aracaju, de a pretexto de aprovação de projeto habitacional, impor profundas restrições, senão extinguir, a possibilidade de uso e extrativismo pela comunidade catadora de mangaba de parte das áreas de mangabeiras no bairro Santa Maria que há décadas utilizam.” Ainda, segundo ela, “salta aos olhos que a forma como a situação vem sendo conduzida omite a existência de uma comunidade tradicional extrativista, protegida por lei e detentora de direitos, também carente de políticas e programas governamentais e também socialmente marginalizada, e agora invisibilizada pela ação da União, do Município de Aracaju, da EMURB e da Caixa”.
Ação
São réus na Ação a Prefeitura de Aracaju, a Empresa Municipal de Obras e Urbanização (Emurb), a Caixa Econômica Federal e a União. Na Ação, o MPF pede que a Justiça conceda liminar e suspenda, imediatamente, qualquer ordem de execução de obras e movimentação de máquinas. Que seja suspensa imediatamente e declarada nula a consulta pública em curso; proibida nova derrubada de cercas dos sítios das famílias catadoras e que as cercas e os barrações sejam recompostos; e a proibição de derrubada de árvores de mangaba, ouricuri ou cajueiro, além de pedir a contagem das árvores frutíferas do local.
Também foi pedido à Justiça a nulidade da doação da área e que a PMA e a Emurb sejam obrigadas a apresentar em juízo todos os documentos, relatórios e mapas que dão suporte ao início das obras. O Ibama também deve ser convocado a realizar a caracterização ambiental da área. Os pedidos incluem ainda a autorização para as famílias continuarem exercendo a atividade extrativista no local, que a Caixa e Município sejam autorizados a remanejarem os recursos previstos no contrato de financiamento para a construção do complexo habitacional em outra área.
Além disso pede que, caso seja constada por estudos ambientais a inviabilidade ambiental do projeto na área, seja impedida a realização de qualquer projeto que não seja a criação de unidade de conservação extrativista na totalidade da área. De acordo com o pedido, os acionados devem ser obrigados a recuperar as áreas degradadas no processo de instalação do empreendimento. No entanto, caso se comprove a viabilidade ambiental do empreendimento em parte da área e a comunidade extrativista consinta em ceder parte do território de reserva, que sejam apresentadas alternativas locacionais e readequação do projeto para atender aos catadores e à população carente que depende de moradia.
Ainda na Ação, foi requerido pagamento de indenização por danos morais no valor de cerca de R$ 623 mil [0,5% do valor total do empreendimento] às famílias extrativistas afetadas. Valor que deve ser revertido na forma de políticas públicas para os catadores, como construção de unidade de beneficiamento de mangaba, cozinha industrial para preparo das receitas, preparação técnica da família para que seus produtos sejam aptos a se serem incluídos na merenda escolar, dentre outras ações.
F5 News procurou a Superintendência do Patrimônio da União, a qual afirmou que como o caso é contencioso quem se pronuncia é a Advocacia-Geral da União (AGU). O portal procurou a AGU por email, que ainda não se manifestou, e por telefone sem sucesso. Também procurou a Caixa Econômica Federal, que ainda não se pronunciou sobre o assunto.
A Caixa disse não ter sido notificada.
A Prefeitura de Aracaju enviou a F5News nota, que segue na integra:
Prefeitura de Aracaju esclarece ação nas Mangabeiras
Em resposta à ação do Ministério Público Federal relacionada ao projeto residencial e ambiental que a Prefeitura de Aracaju realizará no bairro 17 de Março, onde antes havia a ocupação das Mangabeiras, a administração municipal esclarece que todo o processo, como se demonstra cabalmente, desde a concepção até a realocação das famílias da área, ocorreu de forma ordenada, planejada, sem intercorrências ou qualquer ato de violência.
Na verdade, trata-se de uma ação verdadeiramente humanitária. Isso porque, para além das mais de 1000 residências, que darão dignidade às famílias que viviam em situações degradantes, o projeto também mantém a atividade extrativista da mangaba e preserva uma área de mais de 90 mil metros quadrados para o seu manejo.
Aprovado em sua concepção geral, o projeto habitacional para a edificação de moradia popular se encontra em fase de licenciamento ambiental e da aprovação de projetos. Ou seja, o empreendimento não está em implantação, cujos atos só serão praticados com a obtenção da Licença de Instalação, que não ocorreu até o presente o momento. Portanto, a presença de máquinas na área não se destinava à preparação da terra para início das obras do empreendimento, mas para a limpeza e remoção das edificações ali assentadas precariamente.
O Município informa, assim, que não iniciou terraplanagem, não pretende proceder a impermeabilização do solo nem tampouco suprimir a vegetação sem que esteja devidamente autorizado para tanto. Pelo contrário: a Prefeitura de Aracaju reitera sua intenção de continuar realizando os projetos necessários à cidade de acordo com o que preconiza a legislação e os órgãos responsáveis.
*Com informações do MPF/S/E





