Reconhecimento: uma busca incansável
Cotidiano | Por Saullo Hipolito* 29/06/2018 11h12 - Atualizado em 29/06/2018 11h32

O amor pelo forró e pela época junina é típico do nordestino, ou da maior parte desse povo. Quem não gosta de dançar um xote, um baião, ou até mesmo um xaxado? Segundo eles, a dança é um amor que vem de berço e se torna maior a cada ano que passa, com a ajuda do som pontiagudo do triângulo, do grave da zabumba e da imponência da sanfona de fole.

Já não é novidade que o forró tem capacidade de unir povos, basta olhar para um grupo junino. Em Aracaju, por exemplo, quadrilhas como a Pioneiros da Roça e Xodó da Vila, abrem as portas para todos, sem distinção, sem preconceito, entendendo que é necessário e relevante essa inserção do povo no atual contexto da sociedade.

Contudo, há quem não pense de tal forma. Por trás de tantos sorrisos, penteados, cores e gêneros, há uma luta individual de cada integrante. Muitos deles não são aceitos em grupos juninos pela sua orientação sexual. Ao identificar isso, percebemos o poder da dança.

Ela se torna o refúgio para muitas dessas pessoas, como é o caso de Maria Eduarda Marques, que foi a primeira travesti a dançar em um grupo junino sergipano. Essa sensação de liberdade é difícil até para ela mesma explicar.

Isso porque, em um primeiro momento, não era permitido que ela dançasse como dama. Com persistência ela conseguiu alcançar seu direito e se orgulha disso, apesar das adversidades enfrentadas.

“Eu queria dançar de mulher, mas sempre me diziam que eu não podia. Vinha aqui toda menininha e quando chegava na quadrilha, tinha que vestir uma blusa enorme e por a mão para trás, para mim era uma humilhação. Daí fomos competir a nível nordeste e vi travestis dançando como dama. Retornando ao Estado, lutei para conquistar meus direitos e consegui”, disse.

Por outro lado, há dançarinos que foram agraciados desde o início da sua carreira. Como é caso de Cledjane Prado. Ela nunca achou que poderia sequer dançar na quadrilha que sempre acompanhou por anos de perto, a Unidos em Asa Branca. Mas foi convidada, aceitou e, logo no primeiro ano, despertou olhares dos donos da quadrilha que cogitaram ela como noiva, fato que só ocorreu no ano seguinte.

Num dia apenas uma negra e pobre, dentro de um grupo de quadrilha que tinham pessoas com poder aquisitivo elevado, no outro, uma das noivas de quadrilha junina mais importantes da região, com vestidos deslumbrantes. Mesmo dançando por muitos anos no grupo, Cledjane não consegue explicar a sensação de representar a quadrilha.

“Só quem me conhece sabe da satisfação por estar aqui. É uma quadrilha que segue à risca seu nome, tem uma união entre os dançarinos e a torcida, fato que nos diferencia. Foi por isso que me apaixonei. Mas tô quase me aposentando, são 11 anos de história, tenho que abrir espaço. Ainda não consigo, quando a zabumba toca, meu corpo mexe, a única certeza que tenho é que ao sair daqui, não dançarei em mais nenhuma, a Unidos é meu amor”, disse a dançarina.

A dança apaixona e também é capaz de levar o dançarino a um outro mundo, um local que só exista felicidade, onde os problemas são esquecidos. É um local terapêutico onde eles se libertam de todos os seus lamentos e revigoram suas energias. Segundo o marcador do grupo junino Xodó da Vila, Eloy Filho, o benefício trazido pelos grupos juninos é um aspecto importante e fundamental para atrair as minorias para o centro, tirando-os do mundo da criminalidade e da vida ilícita.

“É uma possibilidade transformadora na comunidade, pois se a quadrilha comunga ações e faz parte de comunidades onde existe uma vulnerabilidade, modifica essa condição, ocupando a cabeça da garotada com essas ações e distanciando das situações das drogas”, disse o quadrilheiro.

Mas nem tudo são flores

Ter travestis e transexuais dançando como damas, por exemplo, apesar da aceitação da maioria das quadrilhas, ainda é um debate ferrenho, pois há grupos que não permitem tal inserção, justificando como preservação do tradicionalismo.

Manu afirma que a situação é horrível e lamenta dizendo que “mesmo estando no século XXI, ter que conviver com esse tipo de preconceito machuca”. Já a dançarina Maria Eduarda é mais enfática e afirma que apesar do preconceito quebrado e consolidado, não entende essa atitude.

Uma das quadrilhas que não aceita travestis ou transexuais dançando como dama é a Unidos em Asa Branca.  Segundo eles, isso é um consentimento de todos os dançarinos, pois faz com que as mulheres não percam espaço no grupo. “Apesar de algumas pessoas dizerem que a gente é mais evoluída que as outras, temos esse aspecto de preservar a tradição, obviamente que 80% dos cavalheiros aqui são gays, mas eles mesmos não aceitam que algum homem dance de mulher, é bonito essa questão do cavalheiro cortejar a dama e tentamos manter isso independente da opção”, disse o vice diretor da Unidos em Asa Branca, Cleverton Caetano.

Ainda segundo o vice diretor, abrir a possibilidade para que trans e travestis dancem como dama significa a perda de mulheres em seu grupo. Para ele, a Unidos é um dos únicos grupos que 100% das damas são mulheres, diferente de outros. Essa rejeição não abala algumas dançarinas trans e travestis, que veem na dança um local de libertação e de auto promoção. Segundo elas, é um meio propenso a encontrar o verdadeiro eu.

 
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