Sergipana assina exposição Sertão no Museu de Arte Moderna, em SP
Panorama da Arte Brasileira completa 50 anos com produção contemporânea Entretenimento | Por Will Rodriguez 26/08/2019 12h51 - Atualizado em 26/08/2019 13h43Reflita sobre tudo que vem a sua mente pensar sobre Sertão e prepare-se para imergir em uma nova perspectiva sobre a carga histórica da expressão trazida pelos colonizadores ainda no século XV. Com essa intenção, o 36ª Panorama da Arte Brasileira reúne trabalhos de 29 artistas e coletivos no Museu de Arte Moderna, em São Paulo, numa exposição cuja curadoria leva assinatura de Júlia Rebouças, sergipana de Aracaju.
O Portal F5 News visitou a mostra aberta este mês no espaço no Parque Ibirapuera, zona sul paulistana, e também conversou com a curadora. Ela falou sobre as reflexões que levaram à construção do conceito da exposição e de que forma as produções dialogam com sua própria trajetória.
"A gente sabe que não tem nada como um banho de mar na Atalaia, seguido por um caranguejo com amendoim", diz.
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F5: Quais referências nortearam a construção da mostra com base no conceito de sertão que você busca imprimir?
JR: Sertão é um conceito de grande importância para a cultura brasileira, de modo geral. Para quem nasce e vive em algum dos estados da região Nordeste, essa é uma ideia que atua quase como um fundamento de nossa experiência, carregada de valores, imagens, afetos. Assim, buscar as referências de sertão é, em grande medida, pensar numa condição que nos forma como nordestinos, mas também como brasileiros. No entanto, se por um lado eu me reconheço nele e percebo como esse conceito está investido de força, por outro lado me incomoda a maneira como continua a ser propagada uma certa conotação demeritória para sertão e, por conseguinte, para o nordeste. O professor Durval Muniz de Albuquerque Júnior publicou em 1999 um livro importantíssimo, chamado A invenção do Nordeste e outras artes, que coloca de maneira muito clara como a ideia de "um" Nordeste foi fabulada por interesses políticos e culturais em grande medida para a submissão da própria região, de seu povo, sua cultura, seu território. Nesse Brasil do início do século XX, em que São Paulo e o sudeste assumiam um projeto de modernização, era preciso ter um contraponto que marcasse o atraso, o primitivo, o precário. Afinal de contas, nunca se é moderno em absoluto, mas sempre em relação a um outro e esse outro era o nordeste. O sertão, que se consolida no imaginário nacional quase como sinônimo do semi-árido nordestino, foi então um elemento muito importante para justificar uma série de medidas assistencialistas e exploratórias que marcam grande parte da história da região, mal explicadas, obviamente, pelo determinismo enviesado de teses que tratavam a seca como processo irremediável, que falavam da natureza como algo a ser combatido, que taxavam saberes e culturas locais como atrasados. Uma outra referência importante para mim, nesse processo de pesquisa, foi um texto escrito pelo pesquisador paraibano Rondinelly Medeiros, em que ele trata das milhares de organizações de agricultores e agricultoras que se espalham pelo semi-árido e se chamam "experimentadores". Essas pessoas e organizações, por mais diversas que sejam, partem da ideia comum de que é preciso conviver com o clima e com o bioma da caatinga e que as soluções para produzir vêm do próprio local, a partir do conhecimento de quem habita a região. Por mais simples que pareça essa proposição, ela tem uma potência revolucionária em sua prática, que altera não só os modelos de cultivo da terra, como as relações sociais, econômicas e os sistemas de poder. No começo deste ano também fiz uma longa e importante viagem de carro, do Ceará até a Bahia, quando ficou muito mais claro que o conceito de Sertão poderia ser uma chave muito potente para pensar um Brasil que é resistência e experimentação, e nesse caso, uma produção artística contemporânea que parte desses valores. Sertão, por definição, refere-se a um lugar oposto ao litoral, a um território que não se pode ver, ou que existe como lugar não colonizado, que não se pode cercar. Nesse sentido, podemos pensar que sertão são todos os espaços que, ainda que não estejam no foco do projeto de progresso e desenvolvimento, resistem, se reinventam, criam. Na exposição, é possível conhecer Sertão pela obra de artistas da Rocinha, no Rio, de Cuiabá, de Águas Belas, em Pernambuco, Santa Maria, no Rio Grande do Sul, de São Luis, Maranhão.
F5: Quanto das suas vivências em Sergipe possui relação com o resultado final do trabalho? Ele foi desenvolvido desde quando ?
JR: Nasci e fui criada em Aracaju, depois nos anos de universidade me mudei para o Recife e de lá vim para Belo Horizonte e São Paulo. Mais do que a vivência em Aracaju e no Recife, minha família sempre viajou bastante pelo Nordeste, para visitar parentes em outros estados, mas também por valorizar bastante os lugares, as culturas, as paisagens que formam esses estados. Isso tudo está neste projeto. De maneira mais concentrada, há pelo menos oito meses acionei uma rede de interlocutores e parceiros para discutir esse conceito, visitei muitos artistas, fiz algumas viagens de pesquisa para diferentes regiões brasileiras. Comecei em Aracaju, Salvador, Cachoeira, no Recôncavo Baiano, Recife, mas passei também por Brasília e cidades satélites do DF, Florianópolis, Campo Grande, Rio de Janeiro, Belo Horizonte. Era importante entender como esse conceito poderia atuar para além de sua designação regionalista, e ele se mostrou muito potente.
F5: Para você, qual a representatividade de uma exposição com essa entonação no Sudeste do país ?
JR: Acho que esta exposição vem junto com um conjunto de manifestações muito interessantes: a exposição À Nordeste, no Sesc 24 de Maio, em São Paulo; a Flip deste ano que homenageou Euclides da Cunha e, por conseguinte, trouxe toda uma discussão sobre Os sertões; o prêmio Jabuti de melhor livro de 2018 para Mailson Furtado, com o lindo À Cidade; o prêmio Shell na categoria dramaturgia para o grupo Carmin, de Natal, pela peça A invenção do Nordeste e outras artes, entre outros. Vejo tudo isso como uma necessária revisão de conceitos e o entendimento de que nosso vocabulário de poder extraído dessa tradição cartesiana-cosmopolita-neoliberal-globalizada-colonial-branca-falocêntrica não dá conta dos impasses que todos enfrentamos como sociedade em profunda crise. É preciso fundar outros modos de vida e há muitas possibilidades de criação em territórios e cosmologias não-hegemônicas.
Serviço
O Panorama da Arte Brasileira teve sua primeira edição em 1969 e foi idealizado como forma de o museu recompor seu acervo e voltar a participar ativamente do circuito artístico contemporâneo. A exposição Sertão fica em cartaz até o dia 15 de novembro.
Local: Museu de Arte Moderna de São Paulo
Endereço: Parque Ibirapuera (av. Pedro Álvares Cabral, s/nº – Portões 1 e 3)
Horários: Terça a domingo, das 10h às 17h30 (com permanência até as 18h)
Telefone: (11) 5085-1300
Ingresso: R$ 10,00. Gratuidade aos sábados. Meia-entrada para estudantes e professores, mediante identificação.
Fotos: Will Rodriguez/F5 News


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